sábado, 21 de janeiro de 2012

"Pô cara... legal!"


Remilson tinha fama de ser um dos professores mais exigentes daquele colégio na Pavuna, nos arredores da cidade do Rio de Janeiro. E talvez o “Re” do seu nome não fosse por acaso, pois queria fazer sempre melhor.

Ai de quem cometesse um só erro de ortografia, sintaxe, concordância, ou até mesmo uma vírgula esquecida, em uma das suas redações. Era perfeccionista, meticuloso ao extremo. O máximo era mínimo, quando se tratava de exigir de si mesmo.

Com este perfil, sempre lhe fora difícil conseguir alguém que lhe aturasse, um par para dividir aquela sua filosofia e mania de perfeição..., até encontrar, em um vagão de trem do metrô da Pavuna, aquela que imaginou ser a mulher há tanto tempo esperada.

Ela estava lá no “empurra, empurra” da multidão, e quase não teve tempo de observá-la em maiores detalhes, a não ser por carregar no pescoço uma corrente com a letra “R”, apoiada entre os seios.

Passou toda noite imaginando qual seria o seu nome. Talvez Rose, Rita, Raynara; quem sabe quantos outros mais...

Queria a todo custo vê-la novamente e tentar um início de diálogo, sem nenhum deslize; de forma tal que causasse uma boa impressão.

Passou toda a semana seguinte na frente do espelho, ensaiando o seu discurso; até decidir por recitar-lhe um poema; no seu melhor estilo e jeito de dizer.

Preparou-se com todo o esmero, e não poderia ser diferente. Quem sabe fosse também uma professora exigente, talvez doutorada. Cuidou de evitar qualquer tipo de engano, um mínimo erro que fosse.

Enfim, a sua grande oportunidade havia chegado naquele fim de tarde, com o mesmo vagão de trem quase vazio. Era o momento certo para a sua tão esperada aproximação:

-“Senhora?”

- “Sei que não me conheces, contudo, permita-me recitar um poema em sua homenagem”.

A mulher ficou sem saber o que dizer, e Remilson viu aí um sinal de permissão, prosseguindo de forma eloquente, como jamais houvera feito antes.

Ao final, todo aquele vagão silenciou por alguns segundos. Remilson ali parado, esperando ouvir dela as suas primeiras sábias e doces palavras.

Com se tivesse retornado de um susto, pausadamente ela articulou os lábios e finalmente fez-se ouvir a sua voz:

- “Pô cara... legal!”

*Texto Ralacionado

domingo, 8 de janeiro de 2012

O Homem que inventou o Buraco



“Dedão” era um sujeito misterioso. Um dia apareceu naquela região e construiu um pequeno casebre, com ripas de caixotes, em um dos maiores terrenos baldios da localidade; fazendo dali a sua morada.

Contam os mais velhos que teria cavado uma caverna logo abaixo, só saindo nos dias mais quentes do verão. Em pouco tempo, virou motivo de comentários e assunto preferido no ainda pequeno povoado.

­De onde vinha? Quem seria afinal aquela assustadora figura? Era o que todos queriam saber.

Sabe-se lá o porquê, jamais cortava as unhas dos pés, e isso lhe gerou aquele conhecido apelido.
Era o terror das crianças. Qualquer que fosse suas travessuras; os pais logo acudiam:

- “Vou chamar o “Dedão!”

Funcionava melhor do que surra de vara verde, ou algum castigo mais severo, comum naqueles tempos remotos.

Alguns diziam que já fora rico, outros que teria sido abandonado pela família, e por desgosto, começou a mendigar. Mas a maioria não tinha dúvidas de que se tratava de um louco. Ainda mais quando ele apareceu carregando em uma das mãos um enorme buraco, que ele mesmo havia construído.

Pronto, foi a gota d’água!

Todos agora afirmavam que o velho “Dedão” havia inventado o buraco.

Um intrigante artefato de madeira, com um buraco ao meio, uma tampa com alça e outra para carregá-lo. Mas carregá-lo pra que?

Havia quem dissesse que era ali que ele teria colocado todo o seu passado, para que nunca tivesse que lembrar. Diziam que todo e qualquer problema colocava no buraco e, de alguma forma, se via livre deles. O fato é que, mesmo assustador, jamais causou problema a quem quer que fosse, enquanto ali ficou.

“Dedão” morreu alguns anos depois, e por ironia do destino foi enterrado em outro buraco, no cemitério mais próximo.

Fico aqui pensando se “Dedão” era de fato “louco” como todos afirmavam, ou tratava-se de um pacificador. Talvez “loucos” sejamos todos nós por só nos darmos conta do “buraco”, quando estamos próximos de nos juntar a ele.

Hoje, no então terreno baldio, onde havia a caverna de “Dedão”; foi construído o imponente prédio de cinco andares da Prefeitura, da agora cidade de São João de Meriti.

Caso ainda fosse vivo; “Dedão”, em toda a sua sabedoria; com certeza diria:

“O lugar é o mesmo; só aumentou o tamanho do buraco”.

"Existe diferença entre a loucura de um sábio e a sabedoria de um louco?"

*Texto Ralacionado.

sábado, 7 de janeiro de 2012

A Musa de um Poeta


Tantas e tantas vezes procurei a razão destes meus delírios;
Deste inevitável encanto eterno,
Que teima em me aprisionar.

Das deusas de formas sedutoras,
Não encontrei em ti nenhuma comparação;
Nem mesmo no teu leve sorriso, ou neste inconfundível jeito de andar.

Dos traços do teu rosto,
Mesmo perfeitos,
Eram perfeitos, como muitos,
Por tantos outros desejados.

Tanta magia, talvez estivesse no falar,
Mas dizias as mesmas palavras,
Que tantas outras,
A tantos outros fizeram sonhar.

Fui além,
Busquei o inexplicável nos caminhos do teu espírito,
Mas de lá eu retornei com as mãos quase vazias;
Com nada, que já não fosse conhecido.

Ainda assim,
Nestes meus delírios és verdadeiramente única;
Permaneces, entre todas, a mais completa;
És simplesmente, e irremediavelmente para sempre a Musa de um Poeta.

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